Crítica para uma individual em São Paulo -2007
É surpreendente como a obra desse pernambucano permite lembrar de tantas referências de escolas e a nomes da história da arte. Contudo, vale ressaltar que os trabalhos de Reynaldo Fonseca não perdem em originalidade, marcados que são por sua forte personalidade. Depois de algum convívio, identificar as marcas pessoais do artista não é difícil e pode-se, mesmo, falar em um estilo próprio, inconfundível e facilmente identificável. O conjunto dos trabalhos reunidos nesta exposição individual permite tal constatação.
Suas figuras não são transportadas diretamente do mundo real para a tela o que faz dele – e aí reside uma de suas principais características – um pintor não-realista. O que vemos é o produto de uma ficção pessoal e idealista, onde até o uso de um discreto sfumato auxilia na criação de um universo onde o onírico é a regra e o real a exceção. Daí a sensação de estarmos diante de um imaginário inquietante, perturbador. Em seu trabalho, o artista lança mão de um vocabulário hermético e simbólico, não em suas formas – acessíveis ao olhar – mas em seus
significados – quando certamente nem tudo o que parece simples comporta apenas uma única interpretação.
Em grande parte de suas cenas do cotidiano há uma clara menção aos mestres alemães e flamengos do XVI e XVII. Aí estão certos ambientes de Vermeer, revividos pelo artista com uma luz mais solar. Seus retratos, talvez imaginários, remetem à obra de Ghirlandaio, Bonifácio Bembo, Domenico Veneziano e outros. De Caravaggio e dos caravaggescos vem certo tenebrismo – esses contrastes extremos do uso do claro-escuro, surgidos em meio a uma coreografia teatral. Reynaldo utiliza luzes e sombras com absoluta propriedade, para reforçar tanto a dramaticidade da cena, quanto sua intenção não-realista.
Pintor por excelência, tantas insinuações das obras de grandes mestres e escolas históricas não fazem dos quadros de Fonseca um mau anacronismo, muito pelo contrário, permitem o surgimento de um artista contemporâneo, que insere em seu desenho seguro e certeiro algumas expressões dos universos medieval, renascentista e barroco sem, no entanto, deixar de reforçar um anti-classicismo e uma grande ousadia. Por isso, talvez seja justo afirmar que Reynaldo Fonseca é um maneirista, no sentido histórico do termo. Tanto quanto alguns dos grandes surrealistas e, particularmente, Balthus.
Sua obra é feita para ser contemplada com vagar. Os múltiplos e inúmeros detalhes, a metalinguagem quase sempre com o caráter de um comentário irônico, o exercício de interpretação e a técnica apurada são motivos para fruirmos de seus quadros com tranqüilidade e paciência. Pode-se dizer, mesmo, que sua obra é quase que como um paradoxo, com todo um ambiente histórico de entorno e uma temática central muito atual.
Por ser a obra de um artista complexo, que vai buscar na história universal os elementos para transformá-la em uma algo mais acessível, podemos lembrá-lo como próximo do Movimento Armorial, criado pelo conterrâneo Ariano Suassuna. Seu nome não consta como integrante direto do Movimento, mas todo o ambiente criado por sua obra e os recursos por ele utilizados, faz dele um artista muito próximo do espírito do Armorial.
Independentemente de tantas referências, a obra de Reynaldo Fonseca merece lugar de destaque no universo artístico brasileiro e é mais do que justo destacar o valor de seus trabalhos, pela técnica requintada, pela temática bastante única e pela coerência do conjunto criado ao longo de décadas de trabalho.
Antonio Carlos Abdalla
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